Como prometido, aqui fica o segundo capítulo. Se não leste o primeiro e queres ler mais informação clica aqui :)
Acordei na minha cela deitada nos lençóis mal cheirosos da cama de baixo. Levei as mãos à cabeça e senti alguns golpes na testa e na bochecha. Ardiam, mas não era nada com que precisasse de me preocupar. Ainda tinha a minha roupa preta, apesar de as calças continuarem puxadas para baixo e a minha camisola tresandar a vómito. Sentia-me alivada por ter escapado àquela tortura, mas, por outro lado, sabia que a partir daqui as coisas não se tornariam mais fáceis. Já tinha testado a paciência daquelas pessoas e por uma simples rebeldia quase que era violada. Levantei-me e decidi que o melhor a fazer era então vestir a farda antes que houvesse mais confusão. Lavei-a no bidé. A minha colega de cela estava deitada na cama de cima a olhar para mim, parecendo mais calma e serena.
– Olá, desculpa lá hoje de manhã… Eu nunca estou em mim quando acordo, na verdade ninguém deve estar, não é? E principalmente se estiver em crise… O meu nome é Marina.
Estava bem mais estável, já não tinha os olhos dilatados, penteara-se, se bem que fosse complicado controlar todo aquelo cabelo encaracolado, e mostrava-se mais delicada.
– Olá – sorri, – eu sou a Sofia. – Estendi-lhe a mão e ela deu-me um toque. – Tudo bem, não faz mal, todos temos as nossas chatices.
– Com que então safaste-te daquelas duas... elas nunca deixam escapar ninguém. – Virou-se e mostrou-me um golpe grande e mal sarado perto das costelas – Já aqui anda há mais de um ano e ainda me dói! Vi-te chegar, estavas com uma cara horrível…
– Sim, pelos vistos, nem eu sei bem como... Meteram-me dentro daquela sala e quase que me enfiavam uma chave de fendas no rabo quando ouvi o alarme e elas foram embora. Consegui chegar a uma mesa, mas caiu-me tudo em cima e devo ter desmaiado. Não faço ideia como cheguei aqui…
– Foram-te lá buscar arrastada e mandaram-te para aqui. Eu deitei-te na cama. Disseram-me que era melhor avisar-te para vestires a farda senão para a próxima era ainda pior… Miúda, tu tiveste uma sorte desgraçada! Se aquelas gajas do refeitório não tivessem armado confusão se calhar ainda lá estavas e sabe-se lá como!
– Bom, parece que tenho de lhes agradecer – disse sarcasticamente.
Ela desatou a explicar-me uma data de coisas do regulamento que constantemente dizia que não suportava, e depois contou-me porque estava ali.
– Eu vim aqui parar com o problema mais comum cá dentro: consumidora de drogas pesadas, más notas e má educação. Os meus pais largaram-me aqui e já nem os vejo há meses. E ou paro de consumir ou só saio aos dezoito anos, mas eu quero lá saber… Ao menos daqui já não posso ir para mais lado nenhum, por enquanto… se me apanham a consumir põem-me na solitária uns diazitos e pronto. Além de que, recebo 50 euros de mesada todos os meses.
Em pouco tempo fiquei a conhecer todos os truques e manhas para viver melhor dentro daquelas paredes, as pessoas que devia evitar, principalmente as duas polícias que me tinham feito aquilo de manhã, e os locais que não me aconselhava a frequentar no recreio, como o pátio um, reservado pelo gangue romeno, e a zona da vedação do lado masculino do reformatório onde algumas se prostituíam.
Os dias foram passando. Tentei andar despercebida, causei poucos problemas (dentro dos possíveis) e por uns tempos dei-me ao trabalho de cumprir tanto as ordens dos professores como as dos funcionários. Eram todos igualmente insensíveis e sem vontade nenhuma de nos ajudar, mas eu não queria voltar a ter que passar pela situação do primeiro dia, por isso não tinha outra escolha se não fazer o que eles mandassem. Mesmo assim nunca me esqueci da ideia de fugir, todos os dias imaginava uma maneira de sair dali, mas de todas as vezes apercebia-me de que não ia dar certo. O reformatório era vigiado 24 horas por dia por vários guardas e uma vedação eléctrica, sem falar dos horários que tínhamos de cumprir estritamente senão éramos condenados a mais uma sessão de pancadaria. Mesmo assim eu não desistia, não aguentava continuar naquele lugar fechado, sem liberdade. Mas precisava de mais alguém para despistar os guardas de alguma forma, ou com mais experiência e que conhecesse melhor as instalações…
Encontrar alguém que aceitasse fugir comigo não era difícil. Aliás, quase toda a gente queria sair dali para fora, como quer que fosse. Mas eu não queria fugir de qualquer maneira, queria fugir para nunca mais voltar. Além disso não queria correr o risco de ser apanhada e sofrer as consequências, sabe-se lá quais elas fossem. Por isso comecei a pensar em alguém. A minha primeira opção foi a Mar (Marina): tínhamo-nos tornado melhores amigas ali dentro. Através dos conhecimentos uma da outra fazíamos grandes negócios e a cada dia que passava a nossa cela tornava-se mais acolhedora (se é que assim se pode chamar). Comprávamos erva e partilhávamos tudo uma com a outra. Era bom, mas mesmo assim não falávamos muito porque ela estava a maior parte do tempo de ressaca e com um feitio terrível. Mesmo assim dei-lhe uma hipótese e falei-lhe no assunto:
– Estou a pensar fugir daqui e nunca mais voltar.
– Boa! Eu também… - disse ela com sarcasmo, revirando os olhos.
– Não! A sério, quero mesmo fugir, estava a pensar que se nos juntássemos podíamos arranjar um plano e…
– ‘Tás parva, miúda? Quantas achas que já tentaram fugir daqui? Imensas! E nunca mais as vemos, não porque conseguem escapar, mas sim porque as metem sei lá onde e depois arrancam-lhes os órgãos a sangue frio para vender no mercado… Tu nem penses fazer uma coisa dessas, ouviste? E digo-te mais, se continuares a tentar, chibo-me! Faço isto para te proteger…
– Okay, okay, não falo mais sobre isso…
Mas é claro que falei, pelo menos comigo própria, enquanto não arranjasse mais alguém. Tinha pena de não a levar comigo quando fugisse, mas não havia tempo a perder e ela estava decidida a continuar por ali até ser maior de idade e agora ameaçava contar tudo à bófia.
Era difícil arranjar mais alguém em quem confiar uma coisa destas, porque com o tempo, ainda não disse, fui considerada a “aberração do recreio”. Como passava a maior parte do tempo sozinha a pensar numa forma de fugir, e meditava todos os dias para controlar os meus níveis de ansiedade, gozavam comigo e se não fosse o meu relaxamento já tinha arranjado confusões suficientes para sete meses na solitária. Chamavam-me de estúpida só porque não fazia o mesmo que elas faziam todos os dias: arranjar bulhas, discussões com toda a gente e armarem-se em prostitutas em frente à vedação. Isso irritava-as porque, por mais que tentassem, eu não cedia.
Cheguei a tentar aproximar-me de outras raparigas que pareciam ser mais descontraídas, mas a coisa nunca corria bem porque ou sentiam o mesmo medo de fugir que a Mar ou então queriam sair a correr que nem umas desalmadas porta fora. Quando eu tentava explicar que isso não ia resultar, começava uma nova discussão, e eu já estava farta de ouvir gritaria. Elas que fugissem sozinhas…
Com o fracasso da tentativa de arranjar uma candidata decente para fugir comigo, percebi que estava por conta própria, como sempre, teria de fazer tudo sozinha. No início nada me ocorria à cabeça: até uma certa noite…
– Olá, desculpa lá hoje de manhã… Eu nunca estou em mim quando acordo, na verdade ninguém deve estar, não é? E principalmente se estiver em crise… O meu nome é Marina.
Estava bem mais estável, já não tinha os olhos dilatados, penteara-se, se bem que fosse complicado controlar todo aquelo cabelo encaracolado, e mostrava-se mais delicada.
– Olá – sorri, – eu sou a Sofia. – Estendi-lhe a mão e ela deu-me um toque. – Tudo bem, não faz mal, todos temos as nossas chatices.
– Com que então safaste-te daquelas duas... elas nunca deixam escapar ninguém. – Virou-se e mostrou-me um golpe grande e mal sarado perto das costelas – Já aqui anda há mais de um ano e ainda me dói! Vi-te chegar, estavas com uma cara horrível…
– Sim, pelos vistos, nem eu sei bem como... Meteram-me dentro daquela sala e quase que me enfiavam uma chave de fendas no rabo quando ouvi o alarme e elas foram embora. Consegui chegar a uma mesa, mas caiu-me tudo em cima e devo ter desmaiado. Não faço ideia como cheguei aqui…
– Foram-te lá buscar arrastada e mandaram-te para aqui. Eu deitei-te na cama. Disseram-me que era melhor avisar-te para vestires a farda senão para a próxima era ainda pior… Miúda, tu tiveste uma sorte desgraçada! Se aquelas gajas do refeitório não tivessem armado confusão se calhar ainda lá estavas e sabe-se lá como!
– Bom, parece que tenho de lhes agradecer – disse sarcasticamente.
Ela desatou a explicar-me uma data de coisas do regulamento que constantemente dizia que não suportava, e depois contou-me porque estava ali.
– Eu vim aqui parar com o problema mais comum cá dentro: consumidora de drogas pesadas, más notas e má educação. Os meus pais largaram-me aqui e já nem os vejo há meses. E ou paro de consumir ou só saio aos dezoito anos, mas eu quero lá saber… Ao menos daqui já não posso ir para mais lado nenhum, por enquanto… se me apanham a consumir põem-me na solitária uns diazitos e pronto. Além de que, recebo 50 euros de mesada todos os meses.
Em pouco tempo fiquei a conhecer todos os truques e manhas para viver melhor dentro daquelas paredes, as pessoas que devia evitar, principalmente as duas polícias que me tinham feito aquilo de manhã, e os locais que não me aconselhava a frequentar no recreio, como o pátio um, reservado pelo gangue romeno, e a zona da vedação do lado masculino do reformatório onde algumas se prostituíam.
Os dias foram passando. Tentei andar despercebida, causei poucos problemas (dentro dos possíveis) e por uns tempos dei-me ao trabalho de cumprir tanto as ordens dos professores como as dos funcionários. Eram todos igualmente insensíveis e sem vontade nenhuma de nos ajudar, mas eu não queria voltar a ter que passar pela situação do primeiro dia, por isso não tinha outra escolha se não fazer o que eles mandassem. Mesmo assim nunca me esqueci da ideia de fugir, todos os dias imaginava uma maneira de sair dali, mas de todas as vezes apercebia-me de que não ia dar certo. O reformatório era vigiado 24 horas por dia por vários guardas e uma vedação eléctrica, sem falar dos horários que tínhamos de cumprir estritamente senão éramos condenados a mais uma sessão de pancadaria. Mesmo assim eu não desistia, não aguentava continuar naquele lugar fechado, sem liberdade. Mas precisava de mais alguém para despistar os guardas de alguma forma, ou com mais experiência e que conhecesse melhor as instalações…
Encontrar alguém que aceitasse fugir comigo não era difícil. Aliás, quase toda a gente queria sair dali para fora, como quer que fosse. Mas eu não queria fugir de qualquer maneira, queria fugir para nunca mais voltar. Além disso não queria correr o risco de ser apanhada e sofrer as consequências, sabe-se lá quais elas fossem. Por isso comecei a pensar em alguém. A minha primeira opção foi a Mar (Marina): tínhamo-nos tornado melhores amigas ali dentro. Através dos conhecimentos uma da outra fazíamos grandes negócios e a cada dia que passava a nossa cela tornava-se mais acolhedora (se é que assim se pode chamar). Comprávamos erva e partilhávamos tudo uma com a outra. Era bom, mas mesmo assim não falávamos muito porque ela estava a maior parte do tempo de ressaca e com um feitio terrível. Mesmo assim dei-lhe uma hipótese e falei-lhe no assunto:
– Estou a pensar fugir daqui e nunca mais voltar.
– Boa! Eu também… - disse ela com sarcasmo, revirando os olhos.
– Não! A sério, quero mesmo fugir, estava a pensar que se nos juntássemos podíamos arranjar um plano e…
– ‘Tás parva, miúda? Quantas achas que já tentaram fugir daqui? Imensas! E nunca mais as vemos, não porque conseguem escapar, mas sim porque as metem sei lá onde e depois arrancam-lhes os órgãos a sangue frio para vender no mercado… Tu nem penses fazer uma coisa dessas, ouviste? E digo-te mais, se continuares a tentar, chibo-me! Faço isto para te proteger…
– Okay, okay, não falo mais sobre isso…
Mas é claro que falei, pelo menos comigo própria, enquanto não arranjasse mais alguém. Tinha pena de não a levar comigo quando fugisse, mas não havia tempo a perder e ela estava decidida a continuar por ali até ser maior de idade e agora ameaçava contar tudo à bófia.
Era difícil arranjar mais alguém em quem confiar uma coisa destas, porque com o tempo, ainda não disse, fui considerada a “aberração do recreio”. Como passava a maior parte do tempo sozinha a pensar numa forma de fugir, e meditava todos os dias para controlar os meus níveis de ansiedade, gozavam comigo e se não fosse o meu relaxamento já tinha arranjado confusões suficientes para sete meses na solitária. Chamavam-me de estúpida só porque não fazia o mesmo que elas faziam todos os dias: arranjar bulhas, discussões com toda a gente e armarem-se em prostitutas em frente à vedação. Isso irritava-as porque, por mais que tentassem, eu não cedia.
Cheguei a tentar aproximar-me de outras raparigas que pareciam ser mais descontraídas, mas a coisa nunca corria bem porque ou sentiam o mesmo medo de fugir que a Mar ou então queriam sair a correr que nem umas desalmadas porta fora. Quando eu tentava explicar que isso não ia resultar, começava uma nova discussão, e eu já estava farta de ouvir gritaria. Elas que fugissem sozinhas…
Com o fracasso da tentativa de arranjar uma candidata decente para fugir comigo, percebi que estava por conta própria, como sempre, teria de fazer tudo sozinha. No início nada me ocorria à cabeça: até uma certa noite…